terça-feira, 10 de março de 2009

Naquela noite voltou para casa mais tarde, ficou esperando o tempo passar bebendo sozinho. Não queria encarar a realidade.
Abriu a porta da sala e acendeu a luz da sala, suspirou, olhou para o rádio e o ligou, botou no último volume.
Resolveu tomar um banho para esfriar a cabeça, então foi até a área, pegou uma muda de roupa que estava pendurada na corda e se trancou no banheiro.
Após um longo banho, foi comer algo enquanto ouvia os recados da secretária eletrônica. Entre os recados que ele mesmo havia mandado para lembrar-se de ir ao correio e ao mercado no caminho do trabalho, havia uma voz fina de mulher. Mas ele não quis ouvir, apagou na mesma hora.
Após fazer hora andando entre a cozinha e a sala, parou em frente à porta do quarto, não sabia se era hoje o dia em encararia a realidade dura que havia vivido duas semanas atrás.
Sentou na poltrona da sala que avistava a tal porta tão temida e acendeu seu charuto, abriu o vinho, tomou praticamente toda a garrafa. E foi assim que encontrou coragem para abrir a maldita porta.
Entrando no quarto, a cama ainda estava desfeita e havia uma camisola jogada no chão. Olhou firmemente aquela cena e fechou os olhos com toda a força que podia. As imagens da mulher que ele amou durante dez anos entrelaçada nos braços de outro, e seu gemido tão doce que há anos ele não a fazia soltar gritavam em sua cabeça. Caiu no chão e chorou como se fosse a única coisa que restava fazer da sua vida.
Algumas horas depois se levantou e foi até a garagem, pegou uma garrafa de querosene, foi até a sala e pegou o isqueiro que havia ganhado da sua esposa quando completaram cinco anos de casamento e logo depois voltou ao quarto.
Embebedou a camisola e os lençóis com aquele líquido inflamável enquanto gritava “Vagabunda!”, acendeu o isqueiro e jogou sobre a cama. Voltou para a sala e, novamente, sentou na poltrona, encheu a taça co o resto do vinho que sobrara e assistiu o seu passado pegar fogo. Acabou pegando no sono, devido a fumaça, e morreu que nem seu passado: queimado.

terça-feira, 3 de março de 2009

À frente havia uma pedra e ao lado um cervo morto, ela poderia seguir em frente, e ignorar a imagem, mas preferiu cutucar as feridas do bicho, a idéia era tentadora. Então o fez.
Mas depois aquela diversão ficou chata, largou a vareta com a qual cutucava o pobre animal e prosseguiu. Enquanto a noite vinha o frio a abraçava, e era o único afeto que ela teria ao longo daqueles dias. Subiu em uma árvore e adormeceu entre galhos e folhas.
Na manhã seguinte voltou ao seu caminho. Mas a grande pergunta era: pra onde esse caminho ia levá-la? Ela não saberia responder.
Dessa vez ela achou um pé de amora, muito mais agradável do que um bicho em decomposição e fétido. Aquela árvore era um tanto nostálgica, lembrara de seus tempos de criança, quando vivia manchando suas roupas ao brincar com o pé de amora que havia atrás de sua casa. Saciou sua fome e seguiu em frente.
Em poucas horas de caminhada achou um pequeno povoado, sem hesitar, desviou seu caminho pelas florestas, não era por acaso que estava sozinha, não queria companhia, as pessoas sempre foram más, possuem um espírito bom, mas a parte humana faz com que se tornem fracos e suscetíveis aos prazeres e egoísmos terrenos. Havia se cansado de tanta dor que todos já tinham feito ela sofrer. Era rara, uma das poucas que tem a alma forte e quase nunca deixa a parte humana vencer.
No dia em que perdeu a confiança em tudo, arrumou sua mochila com algumas frutas, duas blusas, uma calça, e foi embora. Caminhar sozinha era melhor do que ter companhia e se desapontar sempre. Se sentem a sua falta, ela não sabe, mas ela não sente mais falta de ninguém.